Irmon Kabuverdianus, Nu Uza Y Divulga Alfabétu Kabuverdianu Ofísial(AK, ex-ALUPEC)

Saturday, October 3, 2009

ALUPEC: VERDADES, INVERDADES E DÚVIDAS DE DAVID LEITE


02 Outubro 2009

Tomei conhecimento, via A semana online, de 19/09/09, de um artigo do compatriota David Leite, intitulado: «ALUPEC, um Alfabeto Nos Ku Nos. E os Nossos Emigrantes?»

Nos últimos tempos, dado o cargo governamental que ainda exerço, não tenho podido participar no debate sobre a problemática do crioulo caboverdiano, através dos órgãos de comunicação social. Mesmo em instâncias de tratamento político da matéria, a minha abordagem tem sido mais política do que técnica, por razões óbvias.

Por tudo isto, apesar de ter escrito várias obras sobre a matéria, de possuir uma reflexão que vem de longe, tenho evitado, salvo raríssimas excepções, tomar parte no debate, guardando um certo distanciamento que o lugar que ocupo recomenda.

Tem-me desencorajado ainda o facto do debate, salvo algumas raras excepções, se ter caracterizado por uma abordagem muitas vezes desrespeitosa, sob a capa do anonimato, o que, na minha perspectiva, nem a ciência, nem a ética, nem a nossa tradicional morabéza aconselham.
Com o David Leite foi diferente. Assumiu com frontalidade, e de uma forma respeitosa, o que pensa. É assim que deve ser um debate sério: frontal, assumido, respeitoso e com os fundamentos de que se dispõe, na certeza de que ninguém possui, em regime de exclusividade, toda a verdade.

Por tudo isto, mesmo sabendo que alguns quererão recusar entender-me, como, por vezes, tem sido o caso, achei que, desta vez, não tanto como ministro, mas sobretudo como cidadão interessado nessa problemática, deveria, com espírito aberto e respeito pelas opiniões contrárias, associar-me ao debate, não para ditar ou impor verdades, mas sobretudo para esclarecer a minha posição e, em certa medida, a posição oficial também.

Diz-se que a nossa língua materna é importante demais para ser deixada à responsabilidade apenas dos linguistas. Concordo. Só que a palavra dos linguistas não deve ser considerada letra morta. Na justa dimensão, deve ser também tomada em consideração. E a palavra de todos, no debate, deve ser também assumida, informada, tolerante, fundamentada e respeitadora. De outro modo, deixaremos de contribuir com civismo e com uma cidadania esclarecida e de rosto humano. Nas várias obras que escrevi, e nos diversos posicionamentos tomados, tenho-me esforçado em imbuir nas minhas palavras as características acima referidas, e isto tanto como cidadão, como técnico e como político.

Retomemos o artigo de David Leite. Na minha perspectiva, o mesmo está enformado de verdades, (meias verdades), inverdades e dúvidas.

I. AS VERDADES:

• O articulista confessa que é leigo em matéria de linguística, que respeita a opinião dos linguistas, mesmo quando delas discorda;
• Reconhece que «a língua portuguesa rege-se, como os demais idiomas neolatinos, por uma ortografia etimológica, a qual consente que uma mesma letra ou grafema (c, s, x, z) possa derivar para uma oralidade diversa - uma dualidade que pode gerar alguma confusão na mente dos menos entendidos ou do mais incautos».
• Que o «ALUPEC propõe-se evitar [a confusão de um mesmo som com várias representações] atribuindo a cada som um único grafema (letras ou dígrafo) e vice-versa»;
• Que «A nossa língua deve ser um césamo, uma chave e não um entrave, uma ponte e não uma parede»;
• Que «Negar a língua portuguesa é uma atitude parecida…»;
• Que «Nossos filhos e netos não hão-de nos recordar como palhaços por lhes termos legado esta herança monumental: duas línguas que recebemos dos nossos pais».
Estas são algumas das verdades do artigo, e a lógica cartesiana exige uma conclusão que vá no sentido de:
• Respeitar o ALUPEC e trazer contributos que o possam limar e enriquecer ou, então,
apresentar uma proposta consistente e abrangente de um outro modelo de escrita que seja mais funcional, mais económico e mais sistemático;
• Reconhecer, pelos argumentos que o próprio articulista apresenta, que o ALUPEC é muito mais económico e mais sistemático do que qualquer outro alfabeto hoje conhecido e de base etimológica; reconhecer ainda que todas as línguas neolatinas, apesar da respectiva origem, tiveram a necessidade de optar por um alfabeto próprio, com raiz latina, mas diferente do alfabeto e da ortografia latina. Mutatis mutandi, porquê que o mesmo não pode ser aplicado ao nosso crioulo de base portuguesa e africana?
• Reconhece que o ALUPEC simplifica a ortografia da nossa língua e evita as confusões gráficas já que, como principio, um único som é representado sempre por uma única letra ou dígrafo, o que, do ponto de vista pedagógico, facilita a aprendizagem. Daí ser mais fácil para uma criança aprender que «kultura» se escreve com «k» do que interiorizar que o som «se», por exemplo, na língua portuguesa, se actualiza, de acordo com o contexto, em s, ss, c, ç, x (saber, massa, cimento, poço, trouxe); ou então que o som «ze» pode actualizar em z, s, x (coser, cozer, exame). No ALUPEC, todos os sons «se» se escreve com «s» e todos os sons «ze» se escreve com «z». Invocar a origem latina do alfabeto de base etimológica para justificar a aplicação deste mesmo modelo ao nosso crioulo é um preciosismo já que o latim é uma língua morta que mesmo a Igreja Católica a pôs de parte e, muito raramente, em determinadas circunstâncias, a utiliza. Também o recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ainda que tímidamente, vem dar razão ao ALUPEC.

Ora, se o ALUPEC é funcional, se estrutura, sistematiza e simplifica a nossa ortografia, então é porque ele só pode ser um «césamo» e uma «ponte» na nossa comunicação escrita. E como tal, nunca pode ser uma «parede» ou um obstáculo. Também nunca pode ser definitivo, na medida em que, por natureza, todo o alfabeto é convencional. E se a convenção muda, o alfabeto também fica alterado. Resta ainda admitir que se o crioulo e o português são duas heranças monumentais, as duas devem merecer um tratamento «em paridade», como a própria Carta Magna, no seu artigo 9º, ordena. Então, se o português já é língua oficial de jure e de facto, temos que fazer tudo para que o crioulo, que de facto está sendo língua oficial, o seja também de jure, caso ainda não esteja. Para tal, temos que ter um sistema de escrita, temos que desenvolver o ensino das duas línguas, temos que aumentar o seu uso na administração, na comunicação social e na criação artística. Aliás, no meu livro A Construção do Bilinguismo, que o articulista parece desconhecer, se afirma: «Ninguém pode ignorar que tanto a língua portuguesa como a caboverdiana, embora de formas diferentes, corporizam a nossa história, enformam a nossa cultura e moldam o nosso modo de estar no mundo. A afirmação e a valorização dessas duas línguas, mais do que um dever cívico, são uma exigência cultural e uma necessidade ambiental» (pág. 129). Ainda num outro ponto, da mesma página, se escreve: «o português que já é língua oficial e de situações formais de comunicação, torna-se necessário alargar o seu ensino e conferir-lhe o estatuto de língua do quotidiano informal, em paridade com a língua caboverdiana. Quanto a [esta] que já é língua do quotidiano informal, há que reconhecer o estatuto oficial, em paridade com a língua portuguesa, reforçar o seu uso formal e implementar o seu ensino, do primário ao universitário».
O David Leite tem que convir comigo que quem tem tal posicionamento, espelhado na sua vivência e nas suas obras, não pode protagonizar um «ALUPEC [que] começou mal. [E que] começou mal porque partiu de uma guerra quasi declarada ao português». De igual modo, devo dizer-lhe que em momento nenhum as tentativas oficiais, de que tenho conhecimento, para «dotar o crioulo de um estatuto oficial, se pautaram por uma certa relutância vis-à-vis do português». Não se deve confundir posicionamentos isolados de um ou outro caboverdiano com posicionamentos oficiais ou então com posicionamento dos técnicos que prepararam as grandes decisões, em matéria do crioulo, as quais, posteriormente, foram aprovadas pelos sujeitos políticos. Que seja dado à César o que é de César e a Deus o que é de Deus, sem truques, sem deturpação, sem mal-entendidos.

II. AS INVERDADES:

Por tudo o que ficou dito, deve-se concluir que são inverdades as seguintes afirmações do articulista:
• Que o «ALUPEC é um Alfabeto Nos Ku Nos» e que marginaliza os emigrantes;
• Que, «no sentido idiomático e geográfico do termo, o ALUPEC é um alfabeto… sem norte»;

• Que o ALUPEC terá partido de uma guerra quase declarada ao português»;
• Que o «pecado original do ALUPEC [foi] ter nascido de um conflito com a lusofonia»;
• Que «o ALUPEC reflecte uma atitude isolacionista; um Nos Ku Nos em flagrantes contradições com a abertura propugnada pelo nosso país»..;

Em termos de política linguística de Cabo Verde, tais afirmações não têm fundamento. Isto não significa que não haja um ou outro posicionamento radical que gostaria que se declarasse guerra ao português. Porém, um posicionamento isolado não pode ser confundido com a política linguística do país. Aliás, a Constituição da República ordena, no seu artigo nono: «O Estado de Cabo Verde promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa» (sublinhado meu). Do mesmo modo, o Programa do Governo para a VII legislatura (2006-2011), falando da Afirmação da Língua Nacional, diz:
«A construção de um real bilinguismo em Cabo Verde é uma exigência do valor histórico, social, cultural, patrimonial e sentimental das duas principais línguas da nossa vivência antropológica: a caboverdiana e a portuguesa. Assim, o Governo, com base na Resolução nº48/2005, de 14 de Novembro, e na esteira do anterior Programa do Governo, continuará a aprofundar a política de promoção e valorização da língua caboverdiana tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância tomará medidas no sentido de fazer com que o País caminhe, progressivamente, para um bilinguismo assumido» (sublinhado meu).

Já o anterior governo dizia no seu Programa (cf.BO nº12, de 31/04/86): «O Governo pretende nesse domínio, com base em estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e determinar etapas, para a oficialização do crioulo como língua nacional, ao lado do Português» (sublinhado meu). Ainda o anterior Primeiro-Ministro, Dr. Carlos Veiga, em conferência de imprensa publicada no Jornal A Semana nº394, de 12.03.99, afirma: «Eu acredito perfeitamente que, tal como noutros países que são crioulos também, é possível ver o crioulo [caboverdiano] a ser escrito, a haver jornais e o ensino em crioulo. Em termos de ensino a faculdade que nós temos de podermos utilizar duas línguas - uma, a nossa língua materna, e a outra a língua portuguesa que também é nossa -, é vantajosa para Cabo Verde. Será uma revolução, mas valerá a pena, custe o que custar. E não custará muito porque as vantagens são incomensuráveis superiores aos custos» (sublinhado meu).

Face a tudo isto, senhor David Leite, onde estará a guerra institucional «declarada ao português?»; onde se esconde «o conflito com a lusofonia»? Poderá haver quem, isoladamente, pense assim e que levou o David Leite a tirar a conclusão que tirou, porém, não deve ser uma boa estratégia confundir a árvore com a floresta, ou então a política linguística do Pais com a formulação de uma opinião isolada, inconsistente e infundada.

O senhor Leite diz ainda que o ALUPEC é um alfabeto «Nos KU NOS», «sem Norte» e que ignorou os emigrantes. Não sei qual o alcance que dá aos sintagmas «Nos Ku Nos» e «sem Norte». Querendo dizer que o ALUPEC foi concebido, fundamentalmente, para a escrita do caboverdiano, não vemos qual o mal que isto encerra. Qualquer alfabeto é para servir a língua para a qual foi criado. Não vejo o alfabeto português a servir, plena e globalmente, o inglês ou o árabe. Mas nem por isso somos autorizados a considerar o alfabeto português isolacionista ou, na sua concepção « Es ku Es».

Quanto a «Sem Norte», se quererá dizer que o ALUPEC não serve para escrever as variantes do Norte de Cabo Verde, está equivocado. Recomendo-lhe que leia o romance Perkurse de Sul d’Ilha, de Eutrópio Lima da Cruz, natural da Boa Vista; os trabalhos universitários de Carlos Delgado, natural de Santo Antão; as traduções que Guy Ramos, natural de S. Vicente, está a fazer a partir da Banda Desenhada TINTIN.

Porém, se «sem Norte» significa «sem horizonte», é caso para lhe perguntar: porquê que, a partir da aprovação do ALUPEC, em 1998, os trabalhos académicos feitos em Cabo Verde, em Portugal, na França, nos EUA, na Alemanha, quase em exclusividade, utilizaram o ALUPEC.
Porquê que a partir da aprovação do ALUPEC o ensino do crioulo em Cabo Verde, em Portugal, nos EUA se tem processado, fundamentalmente, a partir desse modelo de alfabeto?
Porquê que o Parlamento caboverdiano adoptou o ALUPEC na transcrição das intervenções em crioulo dos senhores deputados?

Porquê que têm surgido várias teses, romances, ensaios, livros de poemas utilizando esse mesmo modelo de alfabeto?

Porquê que a recolha, transcrição e divulgação das tradições orais levadas a cabo pelo Instituto da Investigação e do Património Cultural tem privilegiado esse mesmo modelo de escrita?
Porquê que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Cabo Verde, foi vertida no ALUPEC?

Porquê que a série de banda desenhada Lobo ku Xibinhu, da empresa Imájen, adoptou o ALUPEC?

Porquê que, hoje, vários spots publicitários utilizam o ALUPEC;
Porquê que no então ISE e no Instituto Pedagógico houve e há experiências, de vários anos, do ensino do crioulo, com base no ALUPEC?

Porquê que em Portugal há, neste momento, experiências de ensino bilingue, com base no ALUPEC?

Porquê que em França e na Alemanha há experiências de investigação universitária, com base no ALUPEC?

Porquê que, hoje, em várias Universidades dos EUA, se ensina o crioulo, com base no ALUPEC?

Porquê que a Igreja Nazarena, a Igreja Evangélica Baptista, a Igreja Assembleia de Deus e a Igreja Adventista do Sétimo Dia (todos em Cabo Verde) adoptaram o ALUPEC na tradução da Bíblia, tendo sido já publicados dois volumes?

Senhor Leite, alguns podem ainda não conhecer o «Norte» do ALUPEC, mas isto não significa que ele não tenha «Norte».

Quanto à marginalização dos Emigrantes, gostaria de lembrar-lhe: que o professor Salazar Ferro, primeiro promotor do ensino da matemática em crioulo, nos EUA, participou no Colóquio Linguístico de 1979; que nesse mesmo Colóquio tomaram parte Teobaldo Virgínio, Mesquitela Lima e Maria Arminda Resede, todos da diáspora; que Manuel da Luz Gonçalves, Presidente do Instituto Crioulo-Americano, nos EUA, grande promotor do ensino do crioulo, participou no Fórum de Alfabetização Bilingue de 1989; que vários emigrantes, nomeadamente Inês Brito, Carlos Almeida, Manuel da Luz Gonçalves, Celestino Fernandes tomaram parte no Colóquio Internacional de Estudos Crioulo, realizado em Cabo Verde, em 2005; que vários representantes da diáspora, nomeadamente, Dulce Duarte, Ana Josefa Cardoso, Agnelo Montrond, José Luís Tavares, Carlos Almeida, Inês Brito, Manuel da Luz Gonçalves, tomaram parte, em Janeiro de 2009, na Mesa redonda de avaliação e projecção do ALUPEC.
Poderá dizer que conviria haver mais participação de emigrantes; o que não pode dizer é que eles foram ignorados.

III. AS DÚVIDAS

Para responder às dúvidas, gostaria, antes de mais, de informar ao senhor Leite, que a padronização do crioulo vai levar muito tempo, talvez mesmo, várias décadas. Até lá, teremos que, como estipula o ALUPEC, tolerar a existência de «interfones», tais como: b/v, s/z; r/rr; l/r; dj/lh; dj/j; x/j; n/d; tx/x; g/j; (baka/vaka; kasa/kaza; géra/gérra; bólsa/bórsa; midju/milhu/midje; djanta/janta/jantá; oxi/oji/aoje; nu/du; txabi/xave; gentis/jentes).
Como é do seu conhecimento, em termos macrolinguístico, há uma variedade Norte e uma variedade Sul do crioulo. Além disso, não só há variantes no grupo Norte e no grupo Sul, como há também variantes em cada ilha e, às vezes, em cada localidade, o que não é nenhuma novidade: o português do Norte de Portugal, do Centro, do Sul, dos Açores, da Madeira, do Brasil e da Comunidade lusófona africana tem particularidades, mas exibe também aquilo que os linguistas Celso Cunha e Lindley Cintra chamam a superior unidade do português.
Neste momento, o importante é investigar, é estudar e utilizar as variedades e as variantes existentes, sem discriminação. Essa investigação, esse ensino e uso, juntamente com a mobilidade social, com a criação artística e a comunicação social, vão responsabilizar-se pela padronização a médio e longo prazos.

Dirá que isto é complexo, longo e, talvez mesmo difícil. Há um exemplo em Cabo Verde que nos leva a crer que o processo levará o seu tempo, mas não será impossível.
Basta ver a formação da variante de S. Vicente que, nos finais do século XVIII, ainda não existia. Com a vinda de compatriotas do Fogo, Santo Antão, S. Nicolau, Boavista e Santiago, todos à volta do Porto Grande, em pouco tempo, emergiu uma variante unificada que hoje tem uma personalidade própria. Tudo isto para concluir que a unificação linguística, em Cabo Verde, não é uma miragem. Por enquanto, é natural que no Sul se escreva «Prizidenti» e ao Norte se escreva «Prezidente». È natural ainda que ao Sul se escreva «disendenti» e ao Norte se escreva «dessendente» (des-sen-den-te). Como vê, o primeiro «s» é impulsivo e o segundo é explosivo.
O ditongo «ão» está previsto no ALUPEC e é representado por «ãu» (pãu). Quanto a «bida/vida», já disse que o ALUPEC, na fase de padronização, deve tolerar os interfones, nos casos em referência e em outros existentes.

No tocante a «sukundi/skondê e «pikinóti/pikenin», o processo de padronização virá a dar uma resposta. Ou uma expressão suplantará a outra, ou ambas as expressões existirão, sendo uma variante da outra. A linguística permite isso, naturalmente, sem sobressaltos. Neste sentido, as variantes são uma riqueza e não um obstáculo.

No que se refere a «Vitamina C», trata-se de uma marca cuja patente deve ser respeitada, pelo que não muda, do mesmo modo que, a nível informático, em todas as línguas do mundo, hoje, «Microsoft» ou «Windows» têm a mesma representação da língua inglesa.
Relativamente aos nomes próprios, em todas as línguas, e o crioulo não é excepção, há liberdade de representação.

A terminar, uma palavra sobre a oficialização do crioulo. Muitos dizem que as condições não estão ainda reunidas. Porém, ninguém esclareceu quais são essas condições. O texto da Constituição estipula: «O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna caboverdiana, em paridade com a língua portuguesa».

Ainda ninguém aventou a hipótese, segundo a qual, a criação de condições é para possibilitar a paridade com a língua portuguesa e não, necessariamente, para possibilitar a oficialização do crioulo.

Tudo indica que o número 3 do artigo nono da Constituição que diz «Todos os Cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las», só não será uma contradição se o entendimento dos números 1 e 2 forem que o português é língua oficial plena; que o crioulo é língua oficial em construção; que o Estado deve criar as condições para a construção da paridade entre o português e o crioulo caboverdiano. Caso contrário, como poderá a Constituição exigir um dever e conferir um direito de algo que não existe? Se, como estipula, «Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las», parece cristalino que as duas línguas oficiais existem, ainda que uma seja língua oficial plena e a outra em construção. Este entendimento linguístico é lógico. Se houver outro entendimento, então há contradição na letra e no espírito da Carta Magna.

Chegado a este ponto, se me permite, gostaria de dar alguns esclarecimentos a questões que, recorrentemente, aparecem no debate sobre a oficialização da nossa língua materna.
Costuma-se perguntar: que significa a oficialização? Quais são as implicações? Qual a variante que se vai oficializar? Que relação vai existir entre o português e o crioulo, após a oficialização deste último?

Devo dizer que, num contexto de bilinguismo, a oficialização é um reconhecimento jurídico-constitucional que confere legitimidade a uma língua de fazer parte do sistema de ensino e de, livremente, ser usada na administração, na criação e manifestação culturais, na comunicação social, em fim, em todas as circunstâncias de comunicação, particularmente as formais. Note-se que em nome da cidadania, o uso da língua materna no sistema de ensino é obrigatório, mas em todas as outras circunstâncias é livre, num contexto de real bilinguismo. E mesmo no sistema de ensino esse uso deve ser progressivo, em conformidade com as reais possibilidades. Em Cabo Verde, neste momento, não podemos massificar o ensino do crioulo (nota-se que falo do ensino do crioulo e não em crioulo). É recomendável que, como estipula a Resolução nº48/2005, de 14 de Novembro, se parta de cima para baixo, isto é, primeiro nas estruturas superiores de ensino, que permite a formação de professores, e só depois nas estruturas básicas e secundárias.
E quais as implicações da oficialização? Em primeiro lugar, há uma legitimação do ensino e do uso do crioulo, não apenas de jure, mas também de facto, sempre na base da liberdade de escolha do uso, já que possuímos uma outra língua oficial, com dignidade patrimonial, que é o português. A legitimação é do ensino, é da livre utilização na administração, na criação cultural, na comunicação social…

E que variante se vai oficializar? Oficializa-se o crioulo ou então a língua materna caboverdiana. Durante todo o período que durar a padronização ou unificação linguística, as variantes (expressões regionais e locais do crioulo) serão objecto de ensino e de investigação, como também veículo de comunicação na respectiva ilha.

A título de exemplo, a minha proposta é: em cada ilha, o ensino parte da variante local, depois faz-se a ponte com as duas variedades (Norte/Sul) de sociabilização maior. A nível da oralidade, mas também na criação cultural e na comunicação social, cada um utilizará a variante da sua escolha e/ou competência.

E a relação entre o crioulo e o português? A Constituição impõe que a relação seja de paridade, isto é de um real bilinguismo (em construção) em que as duas línguas gozarão, de forma progressiva, do mesmo estatuto. Ao Português, que já é língua oficial de jure e de facto, deve-se reconhecer e optimizar também um estatuto de maior informalidade. Ao crioulo, que é língua do nosso quotidiano informal e ambiental, deve-se reconhecer de jure o estatuto formal e oficial, uma vez que de facto já goza, e vem gozando progressivamente, deste mesmo estatuto.

Fico por aqui, na certeza de que o debate vai prosseguir de forma serena, assumida, fundamentada, respeitadora, e melhor ainda, se for com a morabéza que tem caracterizado a tradicional idiossincrasia do nosso povo.

Caboverdianamente, Manuel Veiga Praia, 1/10/09

1 comment:

marciano moreira said...

Sobri ALUPEC i ofisializason di nos lingua - odja opinion di algen di Santu Anton ki studa lingua kabuverdianu ti ser lisensiadu, ti ser mestri, ti ser (pokus dia dipos di es entrevista) doutor, lisin: http://www.alfa.cv/index.php?option=com_content&task=view&id=6895&Itemid=104 **** Peranti kualker difikuldadi na entra na es link, ba na www.google.com (asegura preferensia di buska = kualker lingua) i faze buska ku es spreson li: Palavras di un linguista di Santu Anton