O Primeiro-Ministro, José Maria Pereira Neves
A presente Resolução enquadra-se no âmbito da estratégia de valorização da língua caboverdiana. Ela visa o estabelecimento progressivo de um estatuto de maior dignidade para a nossa língua materna. Situa-se ainda no âmbito da necessidade da construção progressiva de um real bilinguismo. O assumir, oficialmente, desse bilinguismo, em construção, representa não só uma inadiável questão de reconhecimento cultural e antropológico, como também um posicionamento qualificado em prol da cidadania da língua caboverdiana. Tal posicionamento tem alguns antecedentes como:
a) A Resolução nº8/96 (Boletim Oficial nº12, de 30 de Abril), que aprova o Programa do Governo da V Legislatura, diz que em matéria da língua nacional: “O Governo pretende, com base nos estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e determinar etapas para a oficialização do crioulo… ao lado do português”.
b) De igual modo, o Decreto nº67/98, de 31 de Dezembro, ao aprovar o ALUPEC, estabelece: “… Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial da identidade nacional, o desenvolvimento e valorização harmoniosos do País passam necessariamente pelo desenvolvimento e valorização da língua materna”.
c) Nessa mesma linha, a Resolução nº8/98, publicada no Boletim Oficial nº10, diz: “Será valorizado, progressivamente, o crioulo caboverdiano como língua de ensino”.
d) Também em Julho de 1999, a Assembleia Nacional, no acto da revisão constitucional, determina que, no tocante à língua nacional, deverão ser criadas as condições para a sua oficialização, em paridade com a língua portuguesa.
e) Neste mesmo sentido, o Programa do Governo desta VI Legislatura diz, em matéria de política linguística: “No domínio da língua, o Governo aprofundará a política de promoção e valorização do Crioulo ou Língua Caboverdiana tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância, tomará igualmente medidas no sentido de fazer com que o País caminhe, progressivamente, para um bilinguismo assumido” (Boletim Oficial nº6, 2º Suplemento, de 13/3/2001).
f) Diz a Constituição, ainda (artigo 9º, 3), que “Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las”. (Se a Constituição fala de “línguas oficiais” e do “dever de conhecê-las e do direito de usá-las”, é porque ela reconhece, ainda que implicitamente, a oficialização das línguas referidas.)
g) A referida Carta Magna, no seu artigo 78º.3,f) diz que “Para garantir o direito à cultura, incumbe especialmente ao Estado: (…) Promover a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna caboverdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita”.
Não há dúvidas que apolítica de promoção e valorização da Língua Caboverdiana deve ser uma tarefa constante e permanente de qualquer Governo responsável. E isto se tivermos em conta que: a língua caboverdiana é um dos elementos mais importantes da nossa identidade, da nossa diferença e do nosso estar no mundo; o caboverdiano é, pois, a língua da Nação e da unidade em Cabo Verde; ela é o resto, o suporte e o principal veículo das nossas tradições, da nossa música, do nosso imaginário e de uma grande parte da nossa cultura; nela e através dela sentimos, sonhamos, vivemos e criamos, da maneira mais específica e peculiar, o nosso mundo, a nossa antropologia vivencial.
Por tudo isto, o “bilinguismo assumido” preconizado pelo actual Programa do Governo é uma exigência do valor histórico, social, cultural, patrimonial e sentimental das duas principais línguas da nossa vivência antropológica – o Caboverdiano e o Português. Ora, não é possível a construção de um “bilinguismo assumido” se não houver uma paridade real e progressiva, a nível de estatutos, de ensino e de utilização das duas línguas.
Impõem-se deste modo o estabelecimento e a publicitação das linhas estratégicas para a afirmação e valorização da língua caboverdiana.
O que irá constituir, indubitavelmente, mais um significativo passo, rumo à oficialização da língua materna, como determinado pela Constituição da República.
Tais linhas estratégicas têm presente várias recomendações feitas em instâncias como:
– O colóquio linguístico em 1979;
– O Fórum de Alfabetização Bilingue em 1989;
– A Comissão de Padronização, de 1994;
– O Fórum sobre Os Caminhos da Valorização da Língua Caboverdiana – o Papel da Assembleia Nacional, de 2002;
– A consulta levada a cabo, em 2005, junto de instituições e personalidades no País e na Diáspora, bem como junto de estudiosos do Caboverdiano, no estrangeiro.
Assim,
No uso da faculdade do nº 2 do artigo 260º da Constituição, o Governo aprova a seguinte resolução:
Artigo 1º
Estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana
É aprovada a estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana, cujas linhas de acção vêm em anexo à presente resolução e dela fazem parte integrante.
Artigo 2º
Entrada em vigor
A presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Boletim Oficial.
Vista e aprovada em Conselho de Ministros.
José Maria Pereira Neves
Publique-se.
O Primeiro-Ministro, José Maria Pereira Neves.
Estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana
1. As instituições de ensino superior públicas e as escolas públicas de formação de professores devem incluir a disciplina de língua caboverdiana, de forma autónoma e ensinada como matéria.
2. Essas mesmas instituições devem ainda criar, progressivamente, as condições para a atribuição de diplomas de bacharelato e de licenciatura em estudos caboverdianos, seja na área da cultura, seja na área estritamente linguística.
3. O Instituto Superior da Educação (ISE) deve incluir, no decurso de 2006, o processo de criação do Centro de Língua e Cultura Caboverdianas, com o objectivo prioritário de proceder ao estudo científico da língua e da cultura caboverdianas.
4. De igual modo, o Departamento governamental responsável pela área da investigação cultural continuará a aprofundar os estudos gramaticais, lexicográficos e sociolinguísticos da língua caboverdiana.
5. Os departamentos governamentais responsáveis pela área da Cultura e pela da Educação devem fixar uma quota de bolsas e de vagas na área de estudos da língua e da cultura caboverdiana, como ainda na área da linguística, em geral.
6. Na Administração Pública, na comunicação social, na literatura, nas artes, bem como nos actos públicos e/ou oficiais, a utilização é livre.
7. Nas aeronaves, deve-se encorajar o uso da língua caboverdiana, na variante em que o locutor/locutora é competente.
8. O Departamento governamental responsável pela área da Cultura incentivará a criação de prémios na área da investigação, da literatura, do teatro e da comunicação social.
9. Os estrangeiros que se interessam pelo estudo ou pelo ensino da língua caboverdiana devem ser acarinhados e estimulados pelo Departamento governamental responsável pela área da Cultura.
10. Os filhos dos emigrantes caboverdianos que, no intuito de uma maior integração cultural, resolverem deslocar-se a Cabo Verde para a frequência de cursos no Centro de Língua e Cultura Caboverdianas, poderão contar com incentivos do Governo.
11. O Departamento governamental responsável pela área da Cultura deverá, na medida das suas possibilidades, apoiar, material e culturalmente, a preparação de teses ou de estudos académicos, tanto por nacionais como por estrangeiros.
12. As instituições linguísticas ou de cultura caboverdiana na diáspora podem concorrer a patrocínios do Governo, mediante a apresentação de projectos que contribuem para a promoção e valorização da língua e da cultura caboverdianas.
13. Havendo, neste momento, um único alfabeto sistematizado para a escrita da língua caboverdiana (o ALUPEC), a sua utilização constituirá uma mais valia no patrocínio às criações artísticas. Porém, quaisquer outros modelos de escrita, desde que apresentados de forma sistematizada, constituem também valências na concretização dos patrocínios.
14. A inclusão cultural dos filhos dos imigrantes na diáspora passa, em certa medida, por programas organizados de visitas a cabo Verde. As instituições governamentais do país, com responsabilidade na área da Cultura e das Comunidades Emigradas, devem dar particular atenção aos projectos que visem essa integração.
15. As recolhas da tradição oral, do léxico e das festas de romaria, feitas em Caboverdiano e com nível para publicação, podem contar com o patrocínio do Departamento governamental responsável pela área da Cultura. A utilização de um modelo de escrita sistematizada afigura-se uma mais valia. A realização de vídeos sobre as festas tradicionais podem também contar com patrocínios do Governo.
16. A produção ou exibição de peças de teatro em língua caboverdiana devem ser tidas em conta na atribuição de patrocínios por parte do Governo.
17. Os Departamentos do governo responsáveis pelas áreas da Cultura e da Educação devem apresentar, em Abril de cada ano, ao Conselho de Ministros, em função das respectivas responsabilidades, o relatório anual sobre o estado de aplicação da presente Resolução. A apresentação do 1º relatório será em Abril de 2007. O conteúdo do relatório será publicado em pelo menos dois jornais mais lidos do País.
O Primeiro-Ministro, José Maria Pereira Neves.
Fonte: Boletim Oficial nº 46, de 14 de Novembro de 2005. Consulte aqui uma cópia digitalizada do original (em formato pdf).
Comentários, Correcções e Sugestões: Visite a página inicial.
A presente Resolução enquadra-se no âmbito da estratégia de valorização da língua caboverdiana. Ela visa o estabelecimento progressivo de um estatuto de maior dignidade para a nossa língua materna. Situa-se ainda no âmbito da necessidade da construção progressiva de um real bilinguismo. O assumir, oficialmente, desse bilinguismo, em construção, representa não só uma inadiável questão de reconhecimento cultural e antropológico, como também um posicionamento qualificado em prol da cidadania da língua caboverdiana. Tal posicionamento tem alguns antecedentes como:
a) A Resolução nº8/96 (Boletim Oficial nº12, de 30 de Abril), que aprova o Programa do Governo da V Legislatura, diz que em matéria da língua nacional: “O Governo pretende, com base nos estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e determinar etapas para a oficialização do crioulo… ao lado do português”.
b) De igual modo, o Decreto nº67/98, de 31 de Dezembro, ao aprovar o ALUPEC, estabelece: “… Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial da identidade nacional, o desenvolvimento e valorização harmoniosos do País passam necessariamente pelo desenvolvimento e valorização da língua materna”.
c) Nessa mesma linha, a Resolução nº8/98, publicada no Boletim Oficial nº10, diz: “Será valorizado, progressivamente, o crioulo caboverdiano como língua de ensino”.
d) Também em Julho de 1999, a Assembleia Nacional, no acto da revisão constitucional, determina que, no tocante à língua nacional, deverão ser criadas as condições para a sua oficialização, em paridade com a língua portuguesa.
e) Neste mesmo sentido, o Programa do Governo desta VI Legislatura diz, em matéria de política linguística: “No domínio da língua, o Governo aprofundará a política de promoção e valorização do Crioulo ou Língua Caboverdiana tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância, tomará igualmente medidas no sentido de fazer com que o País caminhe, progressivamente, para um bilinguismo assumido” (Boletim Oficial nº6, 2º Suplemento, de 13/3/2001).
f) Diz a Constituição, ainda (artigo 9º, 3), que “Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las”. (Se a Constituição fala de “línguas oficiais” e do “dever de conhecê-las e do direito de usá-las”, é porque ela reconhece, ainda que implicitamente, a oficialização das línguas referidas.)
g) A referida Carta Magna, no seu artigo 78º.3,f) diz que “Para garantir o direito à cultura, incumbe especialmente ao Estado: (…) Promover a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna caboverdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita”.
Não há dúvidas que apolítica de promoção e valorização da Língua Caboverdiana deve ser uma tarefa constante e permanente de qualquer Governo responsável. E isto se tivermos em conta que: a língua caboverdiana é um dos elementos mais importantes da nossa identidade, da nossa diferença e do nosso estar no mundo; o caboverdiano é, pois, a língua da Nação e da unidade em Cabo Verde; ela é o resto, o suporte e o principal veículo das nossas tradições, da nossa música, do nosso imaginário e de uma grande parte da nossa cultura; nela e através dela sentimos, sonhamos, vivemos e criamos, da maneira mais específica e peculiar, o nosso mundo, a nossa antropologia vivencial.
Por tudo isto, o “bilinguismo assumido” preconizado pelo actual Programa do Governo é uma exigência do valor histórico, social, cultural, patrimonial e sentimental das duas principais línguas da nossa vivência antropológica – o Caboverdiano e o Português. Ora, não é possível a construção de um “bilinguismo assumido” se não houver uma paridade real e progressiva, a nível de estatutos, de ensino e de utilização das duas línguas.
Impõem-se deste modo o estabelecimento e a publicitação das linhas estratégicas para a afirmação e valorização da língua caboverdiana.
O que irá constituir, indubitavelmente, mais um significativo passo, rumo à oficialização da língua materna, como determinado pela Constituição da República.
Tais linhas estratégicas têm presente várias recomendações feitas em instâncias como:
– O colóquio linguístico em 1979;
– O Fórum de Alfabetização Bilingue em 1989;
– A Comissão de Padronização, de 1994;
– O Fórum sobre Os Caminhos da Valorização da Língua Caboverdiana – o Papel da Assembleia Nacional, de 2002;
– A consulta levada a cabo, em 2005, junto de instituições e personalidades no País e na Diáspora, bem como junto de estudiosos do Caboverdiano, no estrangeiro.
Assim,
No uso da faculdade do nº 2 do artigo 260º da Constituição, o Governo aprova a seguinte resolução:
Artigo 1º
Estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana
É aprovada a estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana, cujas linhas de acção vêm em anexo à presente resolução e dela fazem parte integrante.
Artigo 2º
Entrada em vigor
A presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Boletim Oficial.
Vista e aprovada em Conselho de Ministros.
José Maria Pereira Neves
Publique-se.
O Primeiro-Ministro, José Maria Pereira Neves.
Estratégia de afirmação e valorização da língua caboverdiana
1. As instituições de ensino superior públicas e as escolas públicas de formação de professores devem incluir a disciplina de língua caboverdiana, de forma autónoma e ensinada como matéria.
2. Essas mesmas instituições devem ainda criar, progressivamente, as condições para a atribuição de diplomas de bacharelato e de licenciatura em estudos caboverdianos, seja na área da cultura, seja na área estritamente linguística.
3. O Instituto Superior da Educação (ISE) deve incluir, no decurso de 2006, o processo de criação do Centro de Língua e Cultura Caboverdianas, com o objectivo prioritário de proceder ao estudo científico da língua e da cultura caboverdianas.
4. De igual modo, o Departamento governamental responsável pela área da investigação cultural continuará a aprofundar os estudos gramaticais, lexicográficos e sociolinguísticos da língua caboverdiana.
5. Os departamentos governamentais responsáveis pela área da Cultura e pela da Educação devem fixar uma quota de bolsas e de vagas na área de estudos da língua e da cultura caboverdiana, como ainda na área da linguística, em geral.
6. Na Administração Pública, na comunicação social, na literatura, nas artes, bem como nos actos públicos e/ou oficiais, a utilização é livre.
7. Nas aeronaves, deve-se encorajar o uso da língua caboverdiana, na variante em que o locutor/locutora é competente.
8. O Departamento governamental responsável pela área da Cultura incentivará a criação de prémios na área da investigação, da literatura, do teatro e da comunicação social.
9. Os estrangeiros que se interessam pelo estudo ou pelo ensino da língua caboverdiana devem ser acarinhados e estimulados pelo Departamento governamental responsável pela área da Cultura.
10. Os filhos dos emigrantes caboverdianos que, no intuito de uma maior integração cultural, resolverem deslocar-se a Cabo Verde para a frequência de cursos no Centro de Língua e Cultura Caboverdianas, poderão contar com incentivos do Governo.
11. O Departamento governamental responsável pela área da Cultura deverá, na medida das suas possibilidades, apoiar, material e culturalmente, a preparação de teses ou de estudos académicos, tanto por nacionais como por estrangeiros.
12. As instituições linguísticas ou de cultura caboverdiana na diáspora podem concorrer a patrocínios do Governo, mediante a apresentação de projectos que contribuem para a promoção e valorização da língua e da cultura caboverdianas.
13. Havendo, neste momento, um único alfabeto sistematizado para a escrita da língua caboverdiana (o ALUPEC), a sua utilização constituirá uma mais valia no patrocínio às criações artísticas. Porém, quaisquer outros modelos de escrita, desde que apresentados de forma sistematizada, constituem também valências na concretização dos patrocínios.
14. A inclusão cultural dos filhos dos imigrantes na diáspora passa, em certa medida, por programas organizados de visitas a cabo Verde. As instituições governamentais do país, com responsabilidade na área da Cultura e das Comunidades Emigradas, devem dar particular atenção aos projectos que visem essa integração.
15. As recolhas da tradição oral, do léxico e das festas de romaria, feitas em Caboverdiano e com nível para publicação, podem contar com o patrocínio do Departamento governamental responsável pela área da Cultura. A utilização de um modelo de escrita sistematizada afigura-se uma mais valia. A realização de vídeos sobre as festas tradicionais podem também contar com patrocínios do Governo.
16. A produção ou exibição de peças de teatro em língua caboverdiana devem ser tidas em conta na atribuição de patrocínios por parte do Governo.
17. Os Departamentos do governo responsáveis pelas áreas da Cultura e da Educação devem apresentar, em Abril de cada ano, ao Conselho de Ministros, em função das respectivas responsabilidades, o relatório anual sobre o estado de aplicação da presente Resolução. A apresentação do 1º relatório será em Abril de 2007. O conteúdo do relatório será publicado em pelo menos dois jornais mais lidos do País.
O Primeiro-Ministro, José Maria Pereira Neves.
Fonte: Boletim Oficial nº 46, de 14 de Novembro de 2005. Consulte aqui uma cópia digitalizada do original (em formato pdf).
Comentários, Correcções e Sugestões: Visite a página inicial.
No comments:
Post a Comment